sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Nascido para Correr

A Experiência De Descobrir Uma Nova Vida
Christopher McDougall

Um blog de corrida descalça que se preze não tem como deixar de escrever sobre este livro. Lançado em 2009, ele se tornou referência para os novos corredores descalços, tornando-se, talvez, o principal divulgador do renascimento dessa técnica milenar.

Minha experiência com este livro foi bastante peculiar. Antes mesmo de lê-lo ou até mesmo de conhecê-lo, eu já estava bem convencido dos benefícios da mecânica da pisada com o antepé—a corrida natural. Eu estava treinando para o Ironman Florianópolis 2010, quando percebi que estava enjoando da minha playlist de mais de 2000 músicas. Corridinhas de hora e meia, duas horas e pedais de 3, 4 horas tornam qualquer repertório musical insuportável. Precisava ouvir outras coisas. Abri uma conta na Audible.com e comecei a baixar audiobooks. Stephen King e Douglas Adams foram minhas primeiras aquisições. No mês seguinte, com direito a mais dois livros e já tendo lido a respeito dele, baixei o “Born to Run: A Hidden Tribe, Superathletes, and the Greatest Race the World Has Never Seen.” Deixei ele separado para depois do Iron, quando eu começasse para valer meus treinos descalços.

Vale aqui um comentário sobre o título em português. Pelo que parece, a literatura está seguindo o caminho do cinema, onde os títulos dos filmes saem da cabeça do tradutor ou da distribuidora brasileira. Onde “The Green Mile” vira “À Espera de Um Milagre.” O que “A Experiência de Descobrir Uma Nova Vida” tem a ver com o subtítulo original? É para colocar nas pilhas de livros de auto-ajuda? Depois me chamam de metido a besta por ter ouvido o original em inglês. Se a tradução começou desse jeito…

Bom, mas vamos ao livro.

O livro começa com uma grande dúvida do autor: “Por que meus pés doem?” Christopher McDougall, um jornalista que já foi correspondente de guerra e que participou de diversos esportes radicais sem nunca ter se machucado, simplesmente não entendia por que o simples e natural ato de correr provocava tantas dores em seus pés. Seus médicos, os melhores da medicina esportiva, simplesmente diziam que correr exigia muito do corpo do praticante, que eventualmente cedia. McDougall ficou com isso entalado na garganta.

Durante uma viagem ao México, McDougall se depara com uma revista local que conta a história dos índios Tarahumara. Estes índios escaparam da invasão dos espanhóis simplesmente não os enfrentando. Viraram as costas e correram. Quanto mais os espanhóis adentravam o continente, mais os índios se distanciavam. Acharam paz numa região isolada, no noroeste do México, entre as escarpas das Barrancas del Cobre. A reportagem falava que esses índios corriam dezenas de quilômetros diariamente, mas em nenhum momento mencionava que eles viviam entrevados, com lesões incapacitantes. Ao contrário, entre seus melhores, havia cinquentões ganhando provas de 80 e 160 quilômetros. Para descobrir como eles conseguem este feito impensável, McDougall se embrenha numa região cercada de traficantes para poder conhecer seus segredos. E então começa toda a aventura.

McDougall passa a narrar diversas histórias com vários personagens pitorescos, como um tal de Caballo Blanco, passando por aborígenes da África do Sul, índios mexicanos e um professor de Biologia Evolutiva Humana de Harvard. As diversas histórias, interessantes e dinâmicas por si sós, são fragmentadas e intercaladas entre si, num crescendo que prepara o leitor para o desfecho: a tal corrida que o mundo jamais viu. Uma técnica manjada, mas que se mostra bastante eficaz neste tipo de história.

Até nos levar ao ápice da narrativa, McDougall passa pelos mais importantes temas que embasam a cultura e a ciência da corrida descalça. As raízes evolutivas, a teoria conspiratória dos fabricantes de tênis, as lesões comuns dos corredores, o treinamento de atletas de elite… Esses temas são tratados como personagens secundários—as histórias das pessoas é que são o centro do livro, fazendo com que a teoria seja absorvida pelo leitor praticamente sem querer. Não é, de forma alguma, um livro árido. Toda teoria científica é associada a história de alguém, o que dá uma característica humana ao livro, apesar de tratar de alguns tópicos que, se abordados da forma tradicional, se tornariam bem maçantes para o público leigo. Não tema: este livro é um romance de não ficção, não um ensaio científico. Spoiler: O ápice da narrativa não é a chegada da corrida e a ordem de chegada dos competidores, mas como a prova uniu participantes tão díspares e como eles se tornaram irmãos através da corrida.

Eu ouvi o livro durante meus treinos. Aliás, a narrativa empolgante tornou-se um estímulo a mais para que eu me animasse a vestir um short e uma camiseta, a tirar o tênis e, literalmente, por os pés na rua, por vezes até sem rumo ou relógio, pra me divertir durante uma boa corrida. Posso até ter melhorado meu tempo, mas minha meta agora é melhorar como pessoa. A corrida é só mais uma ferramenta para isso.

5 comentários:

  1. Ótimo post! E é aí que entra o livro! Mudar não apenas a corrida, mas a vida das pessoas. Recomendei-o, inclusive, para não corredores. Curiosamente, ganhei esse livro de quem mais defende as porcarias da Nike e outras marcas, hehe. De toda forma, eu li e to na busca pela simplicidade na corrida.

    Abração!

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  2. Cara que bacana!!! Se o livro gerar a empolgação que o teu post gerou em mim, já vai valer a pena...
    vou atrás!!!
    Parabéns pelo blog.

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  3. Sim, comecei a ler o livro agora...e estou gostando! @LetBon

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