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sábado, 21 de maio de 2011

FiveFingers: confortáveis, mas estranhos

Quatro anos depois de serem mencionados como uma das melhores invenções do ano (2007) pela revista Time, os Vibram FiveFingers estão sendo vendidos no Brasil.

Mesmo preferindo correr descalço, eu tenho 2 modelos diferentes, um KSO e um Bikila, que uso para trabalhar, sair ou para correr. Neste último caso, só quando o terreno não permite correr descalço ou com uma huarache.

Usá-los atrai todo o tipo de comentário. Alguns acham legal, muitos apostam que é confortável, outros fazem careta por achá-lo esquisito. Todos acham que sou doido.

Deixando a psicopatologia de lado, quero falar um pouco do porquê ele parecer esquisito. Obviamente, os dedos separados são a primeira coisa a chamar a atenção. No entanto, acho que há uma característica mais sutil.

Ao separar os dedos dos pés, os FiveFingers os colocam numa posição neutra. Os dedos não têm que se moldar ao formato do sapato, podendo se espraiar, como um leque. Isso nos faz achar estranho o formato do pé de quem está calçando FiveFingers, até agora, sem bem saber porquê.

Vamos esmiuçar um pouco mais essa minha hipótese.

O esqueleto do pé é dividido em três partes: o tarso, o metatarso e os dedos (pododáctilos). O tarso, onde fica o calcanhar, é a parte que se articula à perna e que suporta a maior parte do peso do corpo em pé, parado. O metatarso é formado por cinco ossos, os metatarsais, que conectam o tarso aos dedos, por sua vez compostos de falanges.

Imagina-se que um sapato deve ser desenhado para se conformar à estrutura do pé para protegê-lo do piso e das intempéries, certo? Acontece que o design de um calçado leva mais em conta a estética e algumas outras limitações que mencionarei adiante. Esta imposição da estética já foi levantada em 1905, em um artigo do Journal of Bone and Joint Surgery [pdf]. Dele traduzo este trecho: “A sociedade, aparentemente, concorda que o pé humano, como formado pela natureza, é grosseiro, vulgar e de aspecto desagradável, e que sua largura, especialmente na altura dos dedos, é excessiva. Ela considera o pé pequeno, e especialmente o estreito, como o belo. O ditame da moda tem maior influência que a razão.”

Esse artigo (“Conclusions drawn from a comparative study of the feet of barefooted and shoe-wearing peoples”) explica muito o sofrimento que passamos diariamente ao calçarmos os nossos sapatos e as bolhas que surgem quando corremos com eles. Os povos descalços, durante toda a vida, mantém o alinhamento do hálux (“dedão”) com o primeiro metatarso, como os pés dos bebês.

Compare os pezinhos fofinhos acima com o pé de um jovem que nunca calçou um sapato. Note o alinhamento do hálux com o calcanhar e a semelhança com um pé de bebê (forcei a amizade?).

Você pode dizer que isso não é uma característica do andar descalço, mas da “raça”, já que foram estudados povos das Filipinas e pigmeus africanos. Do mesmo jeito que negros têm lábios mais grossos e japoneses, olhos puxados, esses povos poderiam ter pés estranhos. Como generalizar para a “raça” do ocidente, os caucasianos, já que andamos calçados atualmente? Basta olhar o passado. Note os dedos alinhados e o espaçamento entre o 1º e 2º dedos de um dos Bronzes de Riace abaixo, uma escultura grega, portanto de um modelo caucasiano, de quase 2500 anos atrás.

Ainda não se convenceu? Ainda daquele artigo, tiramos uma foto que compara os moldes de um pé de um jovem Bagobo (das Filipinas) que sempre andou descalço (E) com o de um jovem que começou a usar calçados por apenas alguns meses (D). Veja que não só o hálux é desviado medialmente, para formar o bico do sapato, como o 5º artelho (o “dedinho“) também é desviado e rodado (supinado).

Como coup de grâce, mostro mais uma foto. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Os sapatos ocidentais provocam uma deformidade nos nossos pés comparável, em menor grau, naturalmente, aos pés amarrados das chinesas do passado. Mas a indústria calçadista é realmente sádica? Serão apenas motivos estéticos que a fazem desenhar calçados que não foram feitos para nossos pés?

Veja a resposta para essas intrigantes perguntas num próximo post.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Começando (parte I)

千里之行,始於足下。老子

Largar o tênis para correr não é um processo simples. E eu nem estou me referindo ao (re)aprendizado da técnica. Primeiro é preciso acreditar que o tênis não melhora a sua corrida.

Tênis não absorve o impacto quando se pisa primeiro com o calcanhar, como mostrado num vídeo em um post anterior. Ele enfraquece seu pé como uma bota de gesso usada por semanas (e você usa tênis há anos!) Ele não permite que o pé se movimente livremente, como deve. Aliás, este é uma das características alardeadas pelos fabricantes de tênis: controle de movimento. Como se a pronação fosse um movimento maléfico quando, na verdade, faz parte do processo de absorção de impacto embutido na estrutura do pé. Veja Haille Gebrselassie, um dos maiores corredores de longa distância de todos os tempos, pronando com se não houvesse amanhã num racing flat (um tipo de tênis bem simples, com pouco amortecimento, com pouca elevação de calcanhar e sem suporte medial) durante uma maratona, que ele venceu. Se pronar fosse tão errado, você não acha que o técnico dele, de nível mundial, o faria usar um tênis de controle de movimento?

Além disso, o arco medial longitudinal fica enfraquecido. Um arco é uma estrutura forte justamente por ser arqueada. A pedra em cunha do topo (chave, keystone) é quem impede a estrutura de ruir, justamente por estar sob carga. Se você quiser enfraquecer um arco, basta tirar a carga dessa peça estrutural. E é isso justamente o que faz o suporte medial dos tênis modernos.

Esse também é um dos motivos do “pé chato”. Nascemos todos com pés chatos e o arco plantar vai se desenvolvendo com o tempo. No entanto, se o pé não se movimenta como deve durante o crescimento da criança, o arco não se forma e o pé continua chato. Qual é o tratamento tradicional? Colocar aquelas botas ortopédicas “frankenstênicas,” que possuem uma curva acentuada para moldar o arco. Por não deixarem os ligamentos se fortalecerem, as botas tornam a região ainda mais fraca, de forma que o arco não se sustenta, colabando-se e perpetuando o pé chato. Sabe qual o tratamento preconizado atualmente? Estimular a criança a fazer suas atividades descalça, andando e correndo por aí, ou no mínimo, usando preferencialmente sandálias em vez de sapatos fechados. Isso explica por que em sociedades predominantemente descalças praticamente não há casos de “pés chatos”.

Um critério (furado) para se escolher o tipo de tênis é o grau de curvatura do arco plantar. Molha-se o pé e avalia-se a pegada. Há basicamente 3 tipos de pegada, uma com pouco arco, que tende a pronar mais, a normal e um arco excessivamente elevado. No pé chato, se usaria um tênis para controle de movimento (motion control shoes), de acordo com o que se comumente preconiza; pés normais usariam tênis de estabilidade (stability shoes); pés muito arqueados, tênis acolchoados (cushioned shoes). Porém um estudo mostrou que esse não é um critério válido: houve a mesma proporção de lesões no grupo que usava tênis segundo esse critério quando comparado com o grupo que usava, indistintamente, tênis de controle de movimento.


Há vários outros problemas com os tênis, mas esses são os mais evidentes e um outro, fundamental, vou abordar mais adiante. Agora que, espero, convenci você que o tênis convencional não presta, o segundo passo é afastar o medo de correr com o pé diretamente no chão.

As pessoas que se convencem a reaprender a correr descalças, em sua maioria, sempre perguntam se devem usar calçados minimalistas, como o Vibram FiveFingers (VFF). São várias as desculpas que já ouvi para não correr descalço:
  • “Mas o impacto não é maior?”
  • “Mas não vai criar calos e bolhas?”
  • “Mas não vai doer meu pezinho?”
Esses comentários são feitos independentemente de sexo ou sexualidade. Da mais fresca das patricinhas ao mais tosco lutador de MMA (para não apanhar deles, tudo bem, eles não usam o diminutivo). Há uma razão óbvia para essas preocupações. O pé é uma das regiões do corpo com maior número de receptores para tato e dor, com enorme representatividade no córtex cerebral. Pé dói. Muito. Pergunte para qualquer torturador—eles se amarram em dar varetadas nas solas de seus “clientes”. Mas por que diabos a evolução dotaria de tanta sensibilidade uma das regiões mais expostas do corpo?

Ora, e se para correr corretamente fosse necessário sentir o chão? Eu sei. É uma teoria radical para quem está acostumado a pisar nos travesseiros em que se tornaram os tênis de corrida. Um estudo mostra que os músculos responsáveis pelo amortecimento da passada são mais intensamente pré-ativados quando se corre com menos amortecimento. Ou seja, o corpo se prepara para o impacto que virá na próxima passada, absorvendo-o com maior eficiência. Para quem usa tênis, a maior parte da responsabilidade de absorver o impacto recai sobre eles, que são incapazes de fazer tal tarefa em um grau suficiente.

Se o pé sente que o chão é duro, que vai ter que suportar impacto, ele avisa ao cérebro para preparar todo o corpo para o impacto. O tênis acolchoado tapeia esse sistema. Com ele, achamos que estamos correndo em nuvens e sentamos a pancada na nuvem até nosso pé se firmar o necessário. O pé calçado também perde parte da noção da posição em que ele se encontra.

“Il piede umano è un’opera d’arte
e un capolavoro di ingegneria.”

Leonardo da Vinci.
Há um jeito muito simples de demonstrar que o tênis é incapaz de absorver impacto em grau suficiente: levante-se e saltite algumas vezes. Note bem como seu pé toca o chão. Sem dúvidas foi com a ponta. Não importa quanto de amortecimento tenha o tênis que você esteja calçando no momento. Duvida? Calce o tênis mais amortecido que você tiver. Saltite. Agora tente saltitar caindo sobre o calcanhar. O incômodo é imediato. Duvido até que você consiga aguentar mais que três saltos. Aquele pedaço de espuma embaixo do seu calcanhar serve apenas para estimular você a pisar com a única parte do pé com a qual você não deveria! Acredite: seu pé é mais eficiente que um tênis de 600 reais. Aumente sua auto-estima!

No outro lado do impacto está o piso. Dizem que os pisos modernos são bem mais duros que os pisos naturais. Pode até ser em geral. Porém, correr sobre uma rocha é como correr sobre concreto, bem como numa trilha de terra batida. Mesmo assim, acredito que pisar de calcanhar na grama provoca mais impacto que correr descalço no concreto. Impressionantemente, os corredores descalços logo descobrem que os pisos modernos são uma bênção. Planos e previsíveis, há poucas surpresas se comparados à savana, com seus espinhos, buracos e pedras escondidas na vegetação.

Cacos de vidros e agulhas infectadas são bem menos comuns que imaginamos. Isso me lembra uma piada de… ahn… vocês sabem de quem: “Ó raios! Uma casca de banana no chão! Vou escorregar novamente!” A melhor proteção para os pés são os olhos. E essa é mais uma vantagem dos pisos atuais, que permitem ver a uma distância segura qualquer desses obstáculos a tempo de evitá-los. Para correr em locais mal iluminados ou sobre grama ou mato, então sim, é interessante usar algum calçado. Olhe onde pisa.

Além disso, a sola do pé vai se tornando mais resistente e, com o passar do tempo, passa a não se ferir com tanta facilidade. Eventuais espinhos acontecem, mas nada que você mesmo, com uma agulha, não consiga tirar em 2 minutinhos. Mas o pé não fica cheio de calos. A pele fica mais espessa e resistente, como um couro macio, mas não fica ressecada ou calosa.

A pisada descalça difere da pisada com tênis não só ao se colocar o pé no chão, mas também ao retirá-lo. Na corrida calçada convencional, empurramos o nosso corpo para frente ao empurrar a perna para trás. Se mantivermos este padrão, com certeza criaremos uma bolha no pé. Neste caso é comum surgir no dedão, na bola do pé (metatarsofalangeana I) ou, a mais dolorida, na pele mais fina do dedão ou do 2º dedo (superficial às respectivas articulações interfalangeanas). Uma peça fundamental da técnica descalça é a retirada do pé do solo. Recapitulando: primeiro se toca com o antepé e, em seguida, com o calcanhar. Imediatamente depois, se recolhe o pé para cima, em direção à respectiva nádega (“banda”). A sola não desliza. Não há forças horizontais que provoquem o descolamento das camadas da pele. Correr descalço é justamente como saltitar, pular corda, só que caindo para frente. Eu já ouvi a expressão: o pé beija o asfalto.

Lembre-se: não empurre, puxe!

Beleza. Tênis não presta; descalço é o que há. Então para que servem os calçados minimalistas?

Veja bem. Vivemos numa sociedade de consumo, onde a tecnologia está aí para resolver todos os nossos problemas. Para emagrecer, é bem mais prático tomar um comprimido que reduzir e melhorar a alimentação e fazer uma atividade física; usamos frequencímetros (Polar) para avaliarmos nosso esforço ao invés de simplesmente senti-lo. É natural que se queira pagar para se resolver um problema ao invés de aprender como resolvê-lo.

É importante frisar que não se pode fazer uma transição suave entre a corrida calçada e a corrida natural. Pisar com o antepé é radicalmente diferente de pisar com o calcanhar. Ou se pisa de um jeito ou de outro. Assim, esqueça a ideia de ir comprando tênis cada vez menos amortecidos e mais minimalistas.

Apesar de praticamente não ter amortecimento, correr com um minimalista é bem diferente de correr descalço. Experimente colocar um Band-Aid em cada ponta dos dedos da mão e vá digitar ou fazer qualquer outra coisa com as mãos. Por mais fino que seja o material, ele ainda tira muito da sensibilidade. É isso que ocorre com os calçados minimalistas.

Durante o aprendizado da técnica de corrida natural, acho essencial que se treine verdadeiramente descalço. Sua sensibilidade estará totalmente preservada e toda dor que você sentir ou bolha que formar é resultado de uma técnica incorreta. Correr completamente descalço lhe dá um feedback que o calçado minimalista não pode dar. O pé descalço é inclemente com os erros. Lembre-se: correr descalço não dói. Se doer, alguma coisa está errada. Reavalie-se, filme-se ou peça para alguém experiente em corrida descalça observar você.

Christopher McDougall contou uma vez que, correndo calçado por causa do inverno, voltou a sentir dores nos pés. Consultou-se com Lee Saxby, um treinador de corrida descalça, que pediu a ele que descrevesse o que estava fazendo. Chris narrou a técnica perfeita, afinal ele escreveu a "bíblia" do corredor descalço. Lee mostrou o vídeo de Chris correndo—estava fazendo o oposto do que havia falado. Bastou tirar o calçado que a forma imediatamente se corrigiu e as dores desapareceram.

Correr com minimalistas não é o fim do mundo, não é sacrilégio. Mas deve ser tratado como segunda opção e não como padrão, como default. Minimalistas são importantes como proteção no escuro ou em terrenos muito "sujos" (pedras, espinhos etc.). Tiros curtos também podem ser dados com minimalistas (racing flats, spikes, VFF), pois há uma aceleração alta no início do tiro, que pode forçar a pele do pé e provocar bolhas.

Mesmo assim, quem sou eu para dizer o que você deve fazer? Se você se sente melhor correndo com calçados minimalistas, corra. São muito melhores que os tênis convencionais. Que, por sua vez, são melhores que ficar em casa sem fazer nada. Mesmo assim, sempre faça "reciclagens". Periodicamente dê uma corrida realmente descalço, mesmo que curta, para restaurar sua técnica, para sentir o chão, para voltar às raízes.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Por que correr descalço?

Essa seria a primeira pergunta para quem cogita esta experiência. No entanto, é uma pergunta fundamentalmente errada! A cultura do tênis de corrida está tão arraigada que achamos que ele é peça essencial para a corrida—então por que se livrar dele?

A melhor maneira de responder a esta pergunta é invertê-la.

evidências que os hominídeos de 2 milhões de anos atrás já andavam e corriam de forma muito semelhante a nós. Ainda sem lanças (usadas a partir de 400.000 AEC) ou arcos e flechas (60.000 AEC) para ajudar nas caçadas, provavelmente eles corriam atrás de suas presas. Não corriam tão rápido quanto elas, mas conseguiam correr por muito tempo, até que a presa caísse, exausta e com hipertermia. Assim, nossos antepassados conseguiam proteína e energia suficiente para alimentar seus cérebros em crescimento.

Boa parte dessa correria foi feita descalça, já que a mais antiga sandália descoberta data de 8.000 AEC. Mocassins surgiram em 3.500 AEC. Evidências indiretas apontam calçados no máximo há 40.000 anos atrás. E até o século XIX, não havia diferença entre o pé esquerdo e o direito dos sapatos!

Embora registros de corrida competitiva existam desde 1829 AEC, nos jogos Tailteannos na Irlanda, o ressurgimento dos Jogos Olímpicos, em 1896 EC, difundiu esta modalidade esportiva, que era restrita às castas abastadas. Entretanto, os calçados de então nada se assemelhavam aos tênis atuais. Os primeiros esboços do tênis moderno foram dados por Adolf Dassler, fundador da Adidas, que se especializou em calçados esportivos. Eles eram basicamente feitos de lona ou couro e um solado de borracha.

Até então, todos corriam na ponta dos pés. Não havia amortecimento nos tênis. Foi então que Bill Bowerman, um treinador de atletismo e cofundador da distribuidora de tênis japoneses Blue Ribbon Sports, postulou que, se se aumentasse a amplitude da passada e se mantivesse a cadência, os corredores seriam mais rápidos. Mas, para isso, só se o calcanhar tocasse primeiro o solo. Para absorver esse impacto, ele passou a vender tênis com o calcanhar mais alto que a ponta. Logo em seguida, mudou o nome da sua companhia para Nike (conhece?).

A Nike simplesmente passou a vender a solução para um problema que ela mesma inventou! A partir daí, a cada ano, novos modelos são lançados e os modelos antigos sofrem upgrades, senão as vendas caem. Isso tem transformado os tênis em geral, e os de corrida em particular, em verdadeiros monstrengos de quase meio quilo cada, com mais siglas sem sentido que um laptop da Dell.

Compare a espessura do calcanhar entre o tênis da 1ª
edição deste livro, de 1977, com o da 2ª edição, lançada
apenas 3 anos depois.
Tudo isso seria ótimo se esses tênis estivessem aí para melhorar nossa corrida e diminuir o número de lesões.

Correr com um par de tênis de 350g cada, aumenta em 4,7% o consumo de oxigênio numa corrida a 12 km/h. Correr com tênis aumenta o torque de rotação interna do quadril, de flexão e de torção em varus do joelho se comparado com correr descalço.

Em uma revisão de literatura, não foi encontrado nenhum estudo que indicasse que tênis com calcanhares elevados e acolchoados e com controle de pronação devem ser usados por determinados tipos de pés. Outro estudo mostra que pessoas que usavam tênis escolhidos de acordo com o formato do pé (chato ou arqueado) tinham a mesma taxa de lesões que pessoas que usavam um tênis de estabilidade qualquer que fosse o formato do pé.

Ou seja, se há alguma evidência científica que os tênis melhoram o desempenho ou evitam lesões, as empresas estão escondendo só para elas. O Dr. Craig Richards, um médico australiano, teve a cara de pau de tirar essa dúvida com diversos fabricantes de tênis. Puma e Mizuno cinicamente disseram que o fato de melhorar ou piorar é segredo comercial. A Saucony foi a única franca: disse que não dispunha de evidências.

Sério. Eu sou totalmente contra teorias de conspiração, mas numa indústria que fatura cerca de 20 bi de dólares por ano, ela mesma destruir seu modelo de negócios a esta altura do campeonato é improvável… Para você ter uma ideia, a revista Runner's World nunca publicou uma resenha desaconselhando um único modelo de tênis sequer. Todos eles são bons! O fato de boa parte da receita da revista vir de publicidade de tênis não a torna um modelo de isenção, não é?

Assim, a pergunta que deve ser feita não é "por que correr descalço?", mas sim "por que usar esses tênis enormes, que nos fazem pisar de forma diferente?"

E a resposta é simples: porque os tênis modernos alteram nossa passada natural e, provavelmente, provocam mais lesões que as antigas sapatilhas ou que correr descalço.

Isso, para mim, é motivo para nunca mais usar nenhum deles.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Primeiro!

Este blog nasce poucas horas depois de uma oficina de corrida descalça que inventei de dar no Parque da Cidade (Brasília), no Dia das Crianças (12.out.2010). Uma data muito pertinente, já que as crianças aprendem a correr descalças, pisando certo. Os tênis bonitinhos, que elas ganham de presente, é que detonam a técnica natural delas.

Há cerca de um ano, durante os treinamentos para o meu primeiro Ironman, em Florianópolis, esbarrei em vários sites americanos sobre corrida descalça. Após ler um bocado, a ideia me pareceu bastante sensata. No entanto, não quis arriscar algo que mudaria radicalmente os treinos "no meio do campeonato". Adotei o princípio fundamental da corrida descalça, que é a passada curta e rápida, tocando primeiro o antepé e não o calcanhar. Corri o Iron calçado, mas apenas com um Asics Piranha SP 2, de 120 g.

Depois de Floripa, aí sim, me aventurei a correr completamente descalço. Li bastante, assisti muitos vídeos no YouTube e, acima de tudo, aprendi correndo.

Aprender a correr descalço não é engrossar a sola do pé. É aprender uma nova forma de passada. Ela é bem distinta da corrida calçada. Essa nova técnica é simples, mas não é fácil.

Uma coisa que a corrida descalça lhe dá é feedback praticamente imediato. Sem o ambiente controlado e amortecido do tênis, tudo o que você fizer de errado você sente. Bolhas são sinais que seu pé está derrapando em um determinado lugar. Dor na panturrilha é sinal que você se esforçou demais. E por aí vai. É muito difícil correr errado estando descalço se prestarmos atenção aos sinais. No entanto, usamos tênis e sapatos há muitos anos, e a mecânica da corrida calçada está arraigada nos nossos cerebelos. É preciso apagar a forma antiga e substitui-la pela nova.

Como nossos pés não estão acostumados a correr sem "muletas" (tênis), não podemos sair por aí em desabalada carreira. A nova passada ativa outros músculos, inclusive os intrínsecos dos pés, e precisa de tendões, ligamentos e fáscias resistentes. No momento, eles estão todos atrofiados, como quem passou anos com um braço engessado. Por isso, tudo tem que ser bem progressivo, devagar e sempre, caso contrário, podem surgir dores e lesões resultantes do que os gringos chamam de "too much, too soon".



Este, então, foi o primeiro post deste blog. Minha meta é escrever um artigo semanal, que pode ser sobre basicamente um de três temas:
  • história: personagens e feitos de corredores descalços;
  • ciência: os fundamentos evolutivos e teóricos da corrida descalça; e
  • técnica: pisada, passada, exercícios, erros comuns—a prática em si.
Espero conseguir alcançar o objetivo que almejo para este blog, que é fazer com que as pessoas se divirtam ao correr, conheçam e pratiquem a corrida descalça e que, finalmente, parem de olhar para mim como um maluco!