quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Abebe Bikila, o cara

Não há como falar de corrida descalça sem mencionar Abebe Bikila. Ainda mais depois da coincidência de ontem. Eu estava assistindo a seus vídeos no YouTube quando o Rodrigo (@rodsenna), um dos 4 pioneiros do nosso grupo de corrida, começou a tuitar os links para os mesmos vídeos que eu estava assistindo. Eis a nossa pequena homenagem.

Nascido na Etiópia, em 1932, no dia da maratona dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, ele foi o primeiro bicampeão da maratona olímpica.

Descoberto por Onni Niskanen, um treinador sueco-finlandês contratado pelo governo etíope para pescar talentos, Bikila foi escalado para os seus primeiros Jogos Olímpicos praticamente na hora do avião decolar. O titular, Wami Biratu, fraturou o tornozelo num jogo de futebol, abrindo a vaga para Roma, em 1960.

Naquela época, tênis não eram comuns. Eram só para atletas. A Adidas, patrocinadora dos Jogos, só tinha mais alguns pares sobrando e Bikila não achou nenhum que lhe ficasse confortável. Poucas horas antes da prova, ele decidiu corrê-la descalço, como ele havia treinado na Etiópia.

Seu treinador o avisou sobre seus principais competidores, incluindo o marroquino Rhadi Ben Abdesselam, de número 26, um dos favoritos da prova. Acontece que Abdesselam, sabe-se lá por quê, não pegou o número da maratona e usou o número 185, das provas de pista. A largada foi dada às 5 e meia da tarde, devido ao calor do verão italiano. Lá pelo quilômetro 20, Bikila havia ultrapassado diversos corredores e nada de achar o número 26. Ele se afastou do pelotão, correndo ao lado do número 185, e ainda procurava pelo 26 à frente, sem saber que ele estava bem ali, ombro a ombro. Eles correram juntos até os últimos 500 m, quando Bikila deu seu sprint final, chegando 26 segundos à frente de Rhadi, com o recorde de 2:15:16.2. Foi o primeiro negro africano a ganhar uma medalha olímpica.

Nos anos que antecederam os Jogos Olímpicos de 1964, Bikila participou de diversas maratonas. Seu resultado mais surpreendente foi em Boston, em 1963, quando chegou em quinto lugar—a única maratona que ele participou e não ganhou!

Quarenta dias antes dos Jogos de Tóquio, durante os treinos, Bikila sentiu uma forte dor, tentou continuar correndo, mas teve um colapso. Foi operado devido a apendicite aguda e, ainda em recuperação, ele dava uns trotes à noite no hospital.

Ele foi para Tóquio, mas sua participação era incerta. Desta vez ele correu calçado, com um tênis Puma. Ele usou a mesma tática de 1960: acompanhar os líderes até o quilômetro 20 e depois deslanchar. Já no quilômetro 15, ele só tinha a companhia do australiano John Clarke e do irlandês Jim Hogan. No quilômetro 20, eram apenas ele e Hogan. Dez quilômetros depois e Bikila já colocava 40 segundos de vantagem no australiano e 2 minutos em cima de Kokichi Tsuburaya, o japonês que ocupava a terceira posição. Bikila entrou sozinho no estádio e venceu com o novo recorde de 2:12:11.2, fazendo uma inusitada sessão de alongamento logo após cruzar a fita. Cerca de três minutos depois, entravam Tsuburaya e, 10 metros atrás, o inglês Basil Heatley. Num emocionante bote nos últimos 150 metros, o inglês ultrapassa o anfitrião e chega em segundo, mas 4 minutos e 8 segundos atrás de Bikila, o primeiro bicampeão da Maratona Olímpica. O alemão oriental Waldemar Cierpinski também venceu duas vezes, em 1976 e 1980. Não teve a chance de tentar uma terceira vitória nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1984, devido ao boicote do bloco comunista.

De volta à Etiópia, Bikila foi recepcionado como herói pelo povo e seu imperador, do qual ganhou um singelo Fusca branco.

Nos jogos de 1968, correndo com o simbólico número 1, Bikila abandonou a prova no quilômetro 17, devido a uma lesão no joelho direito. Dias antes da prova, Bikila havia fraturado um pequeno osso do pé. Seu colega e compatriota Mamo Wolde venceu a prova e disse que, não fosse a lesão, Bikila teria faturado essa também.

Em 1969, um acidente com seu Fusca branco deixou Bikila tetraplégico. Após cirurgia na Inglaterra, sua condição foi melhorada, mas ele ainda permaneceu paraplégico. Seu treinador, Niskanen, o convenceu a competir no tiro com arco ("arco e flecha") para deficientes e Bikila brincava que iria vencer a próxima maratona olímpica numa cadeira de rodas.

Convidado especial nos Jogos Olímpicos de Munique, 1972, assistiu seu amigo Wolde chegar em terceiro e não conseguir igualar o bicampeonato. Após receber a medalha de ouro, o americano Frank Shorter foi apertar as mãos do famoso bicampeão.

Bikila morreu no ano seguinte, em 23 de outubro de 1973, aos 41 anos, devido a uma hemorragia cerebral, complicação do acidente de 4 anos antes. Compareceram ao seu funeral 75.000 pessoas.

"Homens de sucesso se encontram com a tragédia. Foi o desejo de Deus que eu vencesse as Olimpíadas, e foi o desejo de Deus que eu me encontrasse com meu acidente. Eu aceitei aquelas vitórias assim como eu aceito esta tragédia. Eu tenho que aceitar ambas as circunstâncias como fatos da vida e viver feliz."   Abebe Bikila

Um comentário:

  1. A garra desse homem é invejável assim como sua determinação. Uma lição de vida para nos auxiliar a sermos pessoas melhores.

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